21 de dezembro de 2010

Um amor: O Atlântico

Uma vez conversando com não-me-lembro-quem eu comentei sobre a minha fascinação com o Atlântico e como ele nos une e nos separa da África. E como seria mágico a travessia desse belo oceano. Pensando que se eu nadasse, em linha reta,  eu chegaria "rapidinho" até esse continente tão rico, tão forte e tão misterioso!

Quando criança, eu sempre viajava nessas águas, nessa aventura de um dia chegar até lá não sei onde. E todas as vezes, que eu tive a oportunidade de molhar meus pés nesse mar, imediatamente a imagem de cruzar fronteiras me vinha à mente.
Pensar em ir até a África sempre povoou meu imaginário, mas devido às minhas condições sócio-financeira de uma época tumultuada, eu não me permitia que esse imaginário virasse sonho simplesmente pela frustração que, eu tinha certeza, aconteceria. Ai ai, como é bom estar errada!

Eu tenho verdadeiro "vapor" de frustração e é por esse motivo que eu me libertei de "lista de final de ano". Era muito frustrante chegar dia 31 de dezembro ou 1 de janeiro e perceber que a lista não foi completada. Aquela auto-frustração acabava comigo. Dei um jeito nisso rapidinho, que foi me libertar dessa lista assustadora. Mais isso é outro papo...

Então, nos meus tempo de UFU, Universidade Federal de Uberlândia, o meu sonho era extremamente limitado. Eu coloquei limites e cortei as asas do sonho para que a frustração não corresse atrás de mim. Eu não ousava sonhar além mares, no máximo eu sonhava em conhecer o Brasil. Nem mesmo como estudante de artes, eu sonhava em visitar os museus esparramados pelo mundo onde eu poderia ver ao vivo e a cores aquelas obras que me fascinavam. Eu não me permitia sonhar além da minha tolhida realidade para que a frustração não tomasse conta de mim.

Engraçado...eu sonhava muito antes da morte do meu pai...minha prima Silvana e eu passávamos horas dentro do carro imaginando que nós estávamos viajando por esse mundão afora...mas depois que meu pai foi embora, meus sonhos foram com ele. Parece que nada tinha mais graça. Parece...
O simples ato de sonhar doía muito e eu passei a  ficar cada vez mais longe dessa válvula de escape emocional.

E a África entrou nesse pacote, assim como as viagens aos museus e o meu fascínio em cruzar o Atlântico...Esses sonhos de pré-adolescente foram arquivados e esquecidos no arquivo morto da minha memória.

Uma vez, ainda criança, na Praia Grande, estado de São Paulo, creio que eu estava com 9 anos de idade...e eu brincava na areia, construindo castelos ao vento. Meu pai então me chamou pra arrumar nossas tralhas para voltarmos pra Santos. Estávamos em férias escolares, aproveitando o mar que Minas não tem.
Meu Deus, eu me lembro como se fosse hoje...eu fui lavar as mãos, no mar, no Atlântico. Fiquei agachada, na beira do mar, esperando a onda quebrada morrer nas minhas mãos. E veio uma onda mais forte que as outras, e eu alí, com as minhas pequenas mãos abertas, esperando a vontade do mar pra lavar a areia grudada nas mãos de tanto brincar. Quando essa onda mais forte veio, eu sorri, olhei para o Atlântico lindo enorme e disse...não precisava tanto.
Lavei minhas mãos e fui ao encontro do meu pai que me esperava logo atrás de mim...

Anos mais tarde, escutando Meia-Noite de Chico Buarque, me lembrei desse fato, quando ele traduz a minha simples fala. O meu "não precisava tanto" nas palavras de Chico torna-se "e um oceano pra lavar as mãos".
Décadas mais tarde, após cruzar o Atlântico várias vezes, já morando na Suíça, eu me sento em frente a TV, sem nenhum objetivo, ligo no canal RTP de Portugal e a linda Dulce Pontes aparece na tela com o programa "Projeto Atlântico", cantando Meia-Noite! (O "Projeto Atlântico, era um programa espetacular, que toda semana colocava juntos cantores de língua portuguesa que viviam nos lados opostos do Atlântico)

Meu coração bateu acelerado, meus olhos se encheram de lágrimas e eu fiquei muito emocionada porque novamente o Atlântico me fazia feliz. Nesse dia eu voltei no tempo, sendo aquela menininha loirinha que só queria lavar as mãos.

5 comentários:

Analog Girl disse...

Que texto lindo! Arrepiei-me toda a lê-lo...

Caminhos Que Me Levam disse...

Muito obrigada Jô!

Fico feliz por eu ter conseguido traduzir em palavras essa emoção.

Beijos!

cláudia frança disse...

Lê, lendo este seu texto lembrei-me de um trechinho de Mário Quintana:
"Função: me deixaram sozinho no meio do circo ou era apenas um pátio uma janela uma rua uma esquina. Pequenino mundo sem rumo.
Até que descobri que todos os meus gestos pendiam cada um das estrelas, por longos fios invisíveis." Beijos, c.

Rejane disse...

Para quem já viveu em 2 dos muitos lados do Atlântico, bateu uma identificação imediata. Beijo

Caminhos Que Me Levam disse...

Oi Clau,

Que lindo! Brigada trenzin! Esse "pequenino mundo sem rumo" me faz muito bem!

Bisous!


Rejane,

Todas as vezes que eu fui a Portugal, eu tinha que ver o Atlântico. Ir a Restelos, me fez muito bem e eu pude entender com o coração o que foi e o que é o Atlântico do outro lado. E ir à Nigéria, e ver e sentir o Atlântico na África, fecha um ciclo em mim!

Beijos!
Feliz 2011!!!